Um sonho compartilhado

Uma vida não cabe num filme, por mais curta ou monótona que seja. Levá-la para as telas obriga a fazer um recorte. Ou corre-se o risco de transformar a obra em uma sequência de pequenos episódios. Não raro, calha de acontecerem ambas as coisas: um amontoado de fatos circunscrito a um determinado recorte. O resultado nem sempre – para não dizer quase nunca – é satisfatório. Escrever (e filmar) exige fazer escolhas.

A opção, em “Nosso sonho”, foi por contar a história de Claudinho e Buchecha pela visão do segundo sobre a relação com o primeiro e a importância que este teve em sua vida. Estabeleceu-se, portanto, um recorte relacional, mas não necessariamente temporal. O filme abarca um período de cerca de trinta anos, extenso demais para ser condensado em duas horas. Se, por um lado, consegue dar profundidade à relação de Buchecha com o pai, por outro, faz parecer que o sucesso da dupla veio fácil demais.

Em muitas das cenas, o diretor Eduardo Albergaria joga com a memória afetiva dos espectadores. Quem viveu os anos noventa (provavelmente, a grande maioria que irá ao cinema) é capaz de completar e compreender os não-ditos; os que não viveram ou não estavam familiarizados com a cultura carioca no período terão mais dificuldade de amarrar as pontas soltas. Isso torna “Nosso sonho” um filme ruim? Certamente não, mas legar à plateia parte da responsabilidade por completar as lacunas o fragiliza. A estratégia das obras de suspense não cai muito bem ao drama.

Apesar de ter sucumbido ao risco de tornar tudo episódico demais, a cinebiografia acerta ao pontuar algumas passagens com humor (destaque para a ótima atuação de Lucas Koka Penteado, sobretudo na cena do orelhão) e ao equilibrar doses de emoção e nostalgia na sequência em que relembra o último show da dupla. Para muitos, este deve ser apenas mais um filme a retratar uma trajetória musical de sucesso. Para quem compartilhou dos anos noventa, talvez “Nosso sonho” seja bem mais do que isto.

Imagem: Nosso sonho (2023), de Eduardo Albergaria

3 comentários sobre “Um sonho compartilhado

  1. Você me fez pensar na série do globoplay a respeito da dupla Chitãozinho e Xororó. O recorte ali feito para caber dentro de 8 episódios deixou muita coisa de fora. Não conhecia a história da dupla e nem sou fã do gênero. Assim como nada sei a respeito de Claudinho e Buchecha. Eu vi ou li algo a respeito deles por causa do filme.
    Mas eu gosto de recortes. Do que escolhemos guardar e descartar ao contar uma história. A literatura faz muito esse jogo. Não é fácil decidir, na hora de criar um roteiro o que serve ou não. O que será que as pessoas querem saber? Atualmente, temos que escolher o que fica de fora das redes sociais. aff

    • Também não conhecia muito da história de Chitãozinho e Xororó, mas gostei bastante da série do Globoplay, embora tenha ficado com a sensação de que ela poderia ter mais episódios. Concordo com você que recortes são fundamentais e falam por si (pelo que é mostrado e pelo que não é).

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