A secretária do médico rompeu o silêncio na sala de espera:
— Menino José, pode entrar. Segunda porta à direita.
Os pacientes se entreolharam. Não havia nenhuma criança.
O espanto foi ainda maior quando um senhor de cabeleira muito branca, sobrancelhas grossas e despenteadas, se levantou e – apoiado na bengala – andou vagarosamente em direção ao consultório.
A recepcionista tentou abafar um risinho.
Aos poucos, os demais pacientes se voltaram às suas questões: uns ao celular, outros folheando revistas de celebridade que pareciam esquecidas na mesa de centro. Só uma senhora continuava intrigada, olhando para a secretária em busca de uma explicação que não veio.
Quase meia hora depois, o homem deixou a sala do cardiologista.
— Menino José, assina aqui a guia do plano de saúde, por gentileza – pediu a secretária.
Assinada a ficha, a outra paciente não se conteve:
— Posso fazer uma pergunta?
O senhor penteou as sobrancelhas com os dedos e disse:
— Pode…
— Por que ela o chama de menino?
Era a pergunta que todos na sala se fizeram, mas que poucos teriam a cara de pau necessária para verbalizar. A idade conferia essa prerrogativa à senhora. Quem estava ao celular ou folheando uma revista levantou a cabeça para acompanhar a cena. O tempo parecia suspenso.
O senhor abriu um sorriso antes de responder:
— Porque esse é o meu nome: Menino José.
A secretária do médico balançou a cabeça como se lhe fosse pedido que confirmasse a informação.
A senhora não se deu por satisfeita:
— Menino José?
O homem respirou fundo e se sentou no sofá para dar a explicação aguardada por todos, provavelmente pela milésima vez em seus muitos anos de vida. Ninguém piscava.
O senhor contou que era filho de um soldado. Quando a mãe estava grávida, o pai foi convocado a lutar na guerra. A família tinha a tradição de esperar o nascimento da criança não só para descobrir o sexo, mas para lhe atribuir um nome. A palavra final era do homem.
Os combates ainda se estenderiam por quatro longos anos após o nascimento do garoto, que era chamado pela mãe e pelos avós de menino.
O pai jamais voltou da guerra. A morte foi confirmada por um telegrama do governo à família, que poderia – enfim – escolher um nome.
Decidiram homenagear o morto, mas era tarde demais. A criança só atendia por Menino e não havia santo capaz de convencê-lo de que não se chamaria assim. Ficou, então, Menino José.
— Adoro meu nome e não abro mão dele!
Outra vez, sem que ninguém pedisse, a secretária confirmou a informação balançando a cabeça.
Satisfeita a curiosidade geral, Menino José apoiou as duas mãos na bengala para se levantar do sofá. Pediu licença a todos, desejou um ótimo dia e saiu. A secretária chamou o próximo paciente da fila. Os demais voltaram a olhar seus celulares e ler revistas antigas.
Imagem: Meninos soltando pipas (1947), de Candido Portinari