Pés descalços

a sereia descalçou os sapatos e entrou no mar
cantou para enfeitiçar a tábua das marés
venceu a rebentação como se nada fosse
e se perdeu no encontro azul do horizonte

ficaram na areia os distintos sapatos
que não tardaram em virar conchas
umedecidas pelos beijos das ondas
secas pelo hálito salgado dos ventos

pegadas não mais havia
tinham sumido na mesma espuma
em que se escondiam as tatuíras

a sereia nunca voltou à praia
e nem poderia
tinha perdido os sapatos

Imagem: Mermaid (2023), de One Design Studio

Praia de Botafogo

Ouço a voz das ondas quebrando na beira,
o cantor dos pássaros ciscando a areia úmida,
os segredos que o vento me conta ao pé do ouvido
e o deslizar dos remos no espelho d’água.

Vejo o sol refletir sua luz nos vidros dos prédios,
os barcos subindo e descendo ao sabor da maré,
o bondinho que escala com calma o Pão de Açúcar
e os aviões se aproximando para o pouso mais bonito do mundo.

Quem corre pelo Aterro até diminui o passo,
inspira profundamente o perfume da maresia
e dissipa as preocupações em passadas ritmadas.

Diante do mar e do horizonte azuis e infinitos,
eu tento suspender o tempo que corre depressa
para apreciar a vista – e a vida.

Imagem: Praia de Botafogo (2023)

Soneto de reparação

Ficaram o silêncio das palavras (mal)ditas,
as cartas queimadas na fogueira improvisada,
a foto do porta-retrato rasgada
e uma saudade sem fim na casa.

Procurei apagar o amor desse jeito:
extirpar a dor do meu peito,
deixando toda lágrima secar
para tentar recomeçar.

Quando perdi a cabeça,
pedi a ti: que me esqueça
e agora suplico o perdão.

Sem ti, fica vazio meu universo.
Então, nova chance eu te peço:
– Por favor, volta para mim!

Relendo a coletânia de poesia do Selo Off Flip de 2022, reencontrei este texto meu.

Imagem: Reencontro com o próprio texto (2023)