Montanha-russa

Descobri recentemente que gosto de montanha-russa. Não vai aqui nenhuma metáfora. Há analogias suficientes na internet para quem estiver disposto a encontrar. Falo do brinquedo propriamente dito, de subidas íngremes, quedas vertiginosas, curvas acentuadas e voltas de ponta-cabeça.

Lembro-me de um jogo de computador muito famoso no início da minha adolescência cujo objetivo era ser bem-sucedido como administrador de um parque de diversões. Embora o escopo fosse muito amplo, o que me motivava a jogar era construir montanhas-russas. Da escolha do tipo (madeira ou ferro?) ao traçado da rota, passava longas tardes testando circuitos e o sistema cardiovascular dos visitantes virtuais. Quando eu abusava dos loopings, eles passavam mal a ponto de vomitar na saída. Ainda assim, as filas eram tão enormes quanto o valor que eu poderia cobrar pelo ingresso.

Como no jogo, o sucesso de um parque de diversões real está muito associado à qualidade e à variedade de suas montanhas-russas. Das menos às mais radicais, sempre há um público ávido por cada uma delas, disposto a esperar muito tempo – horas até – por não mais que dois ou três minutos de emoção intensa.

Descobri na prática que faço parte deste grupo, contrariando uma memória que tinha da infância. Quando eu tinha uns dez anos, uma amiga do condomínio comemorou o aniversário em um parque de diversões (hoje já extinto). A principal atração, claro, era uma montanha-russa. Cismei de ir. Julgando que eu seria barrado pela altura, minha mãe esperou comigo na fila, mas deu azar: eu era alto o suficiente. O desespero dela foi ainda maior porque, no carrinho atrás do nosso, a filha da vizinha gritava durante todo o percurso que estava caindo.

Algum trauma daquela época deve ter ficado, o que explica meu longo hiato distante de montanhas-russas. Mas, na última viagem de férias, um parque de diversões fazia parte do roteiro e era absolutamente incontornável tentar ao menos fazer as pazes com este tipo de brinquedo. Cinco ou seis estavam disponíveis. Fato é que gostei de todas, a ponto de repetir duas ou três delas, enfrentando com bom-humor a espera em pé na fila.

Eu, que dizia não gostar de montanhas-russas, já penso nas próximas em que irei. O mundo dá voltas. Às vezes, em looping.

Imagem: “Rollercoaster-4” John Sloan Style, de Paul Silva

Manhã de inverno

Como o sol que amanhece sem vontade de brilhar,
as ondas se espreguiçam calmamente na areia
e esticam os dedos de espuma branca até os pés.
A brisa gelada emaranha os cabelos,
cospe a areia fina em pernas cansadas.

Aviões teimam em decolar e pousar,
quebram o quase silêncio de inverno.
As turbinas potentes não abafam
o bater das asas dos pombos
que voam à procura dos restos de ontem.

Poucos banhistas arriscam um mergulho
e os surfistas dão descanso às ondas.
Só quem muito admira o mar
supera a névoa da alvorada.

O vento traz de longe a ladainha
palavras duras de uma senhora prestes a desencarnar
que arrasta o peso da vida em sacolas cheias de mágoa.
Pragueja a má sorte e as escolhas ruins,
espalha no ar uma infelicidade fria.

Alheio a buzinas de carros na avenida,
um barco de pescadores persegue um horizonte
no qual o azul do mar se confunde com o do céu
onde os peixes voam em vez de nadar.
Resiliente, a pequena embarcação vence as ondas
e vai sumindo no infinito.

Remos de canoa havaiana em ritmo sincopado
rasgam a linha da superfície.
Braços fortes vencem a resistência da água
às custas de um suor mais salgado que o mar.

Enquanto poucos correm
e quase ninguém caminha,
sento-me na amurada para escrever o poema.
Transbordo no papel
o que vejo, ouço e invento
de uma manhã comum de inverno.

Foto: Manhã de inverno (2023)

Linha imaginária

há que partir
desfazer amarras da casa
e a segurança dos pais
despedidas são inevitáveis

quem parte
leva um pouco de quem fica
e deixa um pouco de si
partir é também ficar

há que partir
para ser livre
alçar novos voos
traçar um caminho próprio

quem parte cresce
há uma linha imaginária
separando os meninos dos homens

Imagem: The terminus, Penzance Station, Cornwall (1925), de Stanhope Alexander Forbes (1857-1947)

Tanto amor

quando não penso em ti, penso em nós
não sei se volto para a última vez em que nos vimos
ou avanço para quando nos veremos de novo

quero dizer que te amo
de um jeito que não pareça simples
há tanto amor em mim
bastante não é muito
e muito não é o bastante

faltam palavras
(invento-as eu?)
para traduzir teu sorriso
em sílabas tão perfeitas
quanto a tua pele nua

quero gravar na memória
que tudo em mim é amor
e eu sou todo teu

Imagem: O beijo (1907-1908), de Gustav Klimt (1862-1918)

Vesúvio

tu já me faltas quando partes
porque tu de mim és parte
e eu, de minha parte, sou todo teu

quero de novo teu corpo pesando sobre mim
tua língua percorrendo a pele nua
matar minha sede na tua saliva

quero na tua cama e na minha
no banco do carro e no chuveiro
de manhã e à noite

quero passear os dedos
nos teus cabelos
e te roçar de leve a nuca

quero teus pelos arrepiados
teu gemido ao pé do ouvido
teu nariz roçando a barba

quero para hoje e para sempre
com a força do carinho
o gozo que nunca esqueço

Imagem: Erupção do Vesúvio 1771 vista de Portici (1774-1776), de Joseph Wright of Derby (1734-1797)