Um novo ano

Caro 2023,

Sei que nos conhecemos há pouco. Por isso, peço desculpa por lhe escrever tão depressa. Prometo ser breve. As expectativas pela sua chegada eram e são muito altas. Culpa de seus antecessores, que deixaram em nós marcas profundas e muitos traumas a serem curados. Tentamos confinamento, live, série, pão, vinho, reza, terapia… Nem todos bem-sucedidos. Será preciso dar tempo ao tempo. Quanto? Ainda uma incógnita.

Longe de mim fazer pressão, minha intenção não é esta, porém, sinto-me na obrigação de lhe avisar: esperamos muito da sua gestão. Faz uns anos, um candidato a deputado afirmou que a situação não poderia piorar. Nem tinha assumido o mandato e já mentia feito um político experiente. O país foi descendo a ladeira. Até agora, não dá para ter certeza se o freio foi mesmo acionado. Olhando de baixo, é possível perceber que será preciso muita disposição para subir tudo de novo. Está preparado?

Ouvi dizer que teremos uma mudança significativa tão logo você tome pé da situação em que o mundo se encontra: o início da Era de Aquário. Sou uma negação em astrologia, mas – se bem me lembro do que pregavam os hippies – viveremos uma longa fase de fraternidade, prosperidade e esperança. É falatório do povo, demagogia política ou podemos esperar tudo isso mesmo?

Antes de terminar esta carta, gostaria de lhe pedir que tenha paciência conosco. É difícil, eu sei, eu mesmo não tenho muita. Releve as maledicências dos que já sofreram demais e não falam por mal. Venha sem medo, aberto ao diálogo com os mais refratários e arredios. Mantenha a transparência sobre as dificuldades. Cuide com carinho dos que lhe parecerem frágeis. Ouça com atenção quem não tem espaço para levantar a voz. Se preciso, seja essa voz. Combata o ódio com mensagens de esperança, ainda que muitos não queiram ouvir. Espalhe palavras de conforto. Plante a semente do amor no solo de um ano fértil, regue com ternura e disciplina até brotar um mundo mais justo e humano.

Conte comigo para o que precisar.

Um abraço,
Pedro

Imagem: Frances, Fireworks (2021), de Christina French

Então é Natal

Querido Papai Noel,

Faz tempo que não lhe escrevo. Vinte anos, quase trinta? Até perdi a manha. Não me leve a mal, mas acreditei no que andaram falando, que o senhor não existia, nem Lapônia, nem rena que puxa trenó… Tanta gente insistiu que acabei convencido. Era tudo fake news, não era? Está muito na moda isso. Espero que você (posso lhe chamar assim ou é muita intimidade?) não esteja chateado comigo.

Peço desculpas por escrever tão em cima da hora, já no dia de Natal. Estive ocupado com o trabalho, as tarefas da casa, as apresentações na escola das crianças, as infinitas confraternizações de fim de ano, a montagem da árvore, o pisca-pisca na varanda, a caixinha dos porteiros, o bolão da Mega Sena da virada, a compra dos presentes para a família (era melhor quando o senhor trazia). Essa felicidade compulsória de dezembro oprime a gente. Como pode um mês ter tantos dias e passar tão depressa? Perde-se até o fôlego. Credo!

Mas parei para escrever. Antes tarde do que nunca, né? Da última vez, eu tinha sete anos recém-completados e uma letra horrível. Acho até que o senhor não entendeu a caligrafia, porque pedi um videogame e ganhei um jogo de tabuleiro. Quem limpou a barra do senhor foi meu pai: eu fingi que estava dormindo no sofá e vi quando ele chegou do shopping e pôs a caixa embaixo da árvore.

Não lhe mandei mais cartinha depois disso. Era mais fácil pedir para ele. Se meu pai errasse a compra, a gente podia ir ao shopping trocar o presente. Melhor do que o senhor se despencar da Lapônia por causa de um garrancho mal-entendido. Juro que fiz isso com a melhor das intenções. Ainda lhe poupei tempo e dinheiro, não foi?

Aliás, até hoje lhe quebro esse galho. Eu mesmo compro os presentes que meus filhos pedem nas cartinhas. O senhor conseguiu ler alguma? Agora está moleza: eles imprimem e só assinam à mão, o que facilita a leitura e reduz a quase zero o risco de erro. O mais velho põe até foto do que quer. Mais uns anos e é capaz de colocar também o link para o site da loja. Eles ainda mandam cartas porque eu disse que o senhor não tinha e-mail, muito menos Whatsapp. Meus filhos reclamam toda vez, mas não querem correr o risco de ficar de mãos abanando. Mal sabem eles…

Como eu disse, há muito tempo não lhe escrevo, porque não tinha nada a pedir. Só que esse ano eu me peguei pensando que a nossa relação não pode ser baseada nessa coisa capitalista de presente. Onde fica o espírito natalino? O mundo anda tão descrente que eu resolvi voltar a acreditar. Espero que esteja tudo bem com o senhor, com a mamãe Noel, os duendes, o Rudolph e as outras renas. E que a Lapônia não esteja sofrendo muito com os efeitos do aquecimento global. Mande notícias, por favor! Feliz Natal!

Um abraço,
Pedro

P.S.: Deixei rabanadas para o senhor em cima da mesa. Espero que goste.

Imagem: Twas the Night Before Christmas, de Studio Paint Night Friday