Você tem que contar minha história

Férias. Depois de quase três anos de pesquisa e escrita tão intensas quanto penosas, tinha finalmente entregado a primeira versão do romance que a editora encomendara e para o qual me dera um bom adiantamento. Agora que o texto estava nas mãos do editor, que – pelos meus cálculos – deveria levar cerca de um mês para me devolver com suas observações, decidi tirar um tempo para descansar e não pensar em nada.

Aluguei uma casa em Paraty. Era bem pequena, mas parecia muito confortável e ficava a poucas quadras da rua principal. O trajeto seria cumprido facilmente a pé, o que me permitiria caminhar tranquilamente pela cidade observando os casarões históricos. Mas o que mais me atraiu foi a rede posta na varanda. Imaginei passar tardes de pura preguiça ali, na companhia de bons livros, que se acumularam na mesinha de cabeceira enquanto eu sofria para escrever o romance de encomenda, e do canto dos pássaros.

Pensava no prazer de não ter obrigações a cumprir e preocupações com prazos enquanto o ônibus seguia viagem. Olhava a paisagem pela janela. Distraído pelas luzinhas que começavam a se acender no cair da tarde, não percebi quando uma mulher que não me lembro de ter visto embarcar se sentou ao meu lado e interrompeu o silêncio:

— Você tem que contar minha história.

Não era um pedido. Não era um desejo. Era uma ordem. Até então, eu nada sabia dela. Via a cor de seus olhos, os cabelos presos num rabo de cavalo e a pele morena. A roupa despojada contrastava com o tom de voz assertivo com que afirmou que eu teria que contar sua história. Todo o resto era um enorme mistério. Quem era aquela mulher?

Diante do meu espanto e da minha mudez, repetiu a única frase que dissera. Queria confirmar se eu havia escutado, ou apenas garantir a clareza da mensagem. Não esperou que eu respondesse para seguir adiante, desandou a falar. Os relatos eram ricos em detalhes e, por vezes, voltava neles para acrescentar mais um ponto. Encurralado no canto do ônibus, eu me esforçava para guardar na memória tudo o que ela me dizia.

Parecia satisfeita em ter me encontrado e contar sua história; queria que eu a eternizasse de alguma maneira. Não demonstrou qualquer preocupação em estar incomodando os outros passageiros com aquele falatório sem fim. Tampouco se importou quando o ônibus chegou ao destino. Desceu comigo e me seguiu até a casa alugada. Percebi, no mesmo instante, que aquela personagem me acompanharia onde quer que eu fosse.

Imagem: Fantasy girl books, de Willgard Krause

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