Passageiros

Abri mão de ter carro há quase quatro anos. Sinto falta de dirigir, embora o trânsito não seja nada convidativo. Passei a usar transporte público em praticamente todos os deslocamentos que faço, privilegiado por morar em uma região bem servida de modais: uma estação de metrô e um leque robusto de linhas de ônibus para as direções que preciso na porta de casa. No Rio de Janeiro, o que deveria ser regra – garantir o direito de ir e vir dos cidadãos – beira o luxo.

Reparei, dia desses, um aumento expressivo no número de motoristas mulheres nos ônibus, uma inovação tardia mais do que bem-vinda. Como são maioria na população, a lógica deveria ser replicada também nos postos de trabalho. Depois, tenho a impressão de que as mulheres dirigem melhor do que os homens, porque são mais prudentes e veem o carro como ele é: um meio de locomoção, e não um instrumento de demonstração de poder.

Mais dia, menos dia, apareceria uma exceção para a regra imaginada por mim. Aconteceu nesta semana. Embarquei no ônibus satisfeito ao ver uma motorista ao volante. Ou melhor, triplamente satisfeito, porque o ar-condicionado estava em perfeito funcionamento (uma raridade nos últimos tempos) e havia lugar disponível para sentar.

Acomodado na parte dianteira, próximo à roleta, conseguia ver com clareza os movimentos da motorista. Conduzia a uma velocidade condizente com o trânsito, parava exatamente em frente aos pontos (o que também deveria ser regra) e esperava os passageiros – sobretudo os mais idosos – se sentarem antes de arrancar com o ônibus. Gabaritava com louvor um teste pelo qual não sabia estar passando quando o telefone tocou.

Ela não hesitou: apertou o botão e atendeu a chamada de vídeo da irmã, que também estava ao volante (Eu disse que a minha posição era privilegiada). Passou uns dez minutos na ligação sem o menor constrangimento: segurava o celular com a mão que deveria estar livre para passar as marchas e falava alto. Nenhuma preocupação em esconder a imprudência que cometia.

Além de mim, outros passageiros também se incomodaram. Ninguém, porém, ousou reclamar. Nunca é simples decidir sobre interferir em uma situação deste tipo. Ao perigo de acrescentar uma nova camada de distração para a motorista, soma-se uma possível reação intempestiva de quem tem a vida de tanta gente nas mãos.

Quando desci do ônibus, ela ainda falava animadamente sobre os planos do churrasco de aniversário do afilhado ao telefone. Agradeci por ter chegado são e salvo e desejei que os outros passageiros tivessem a mesma sorte que eu, sobretudo porque o restante do caminho era uma sucessão de curvas bastante fechadas.

Imagem: Muni Bus Interior, de Nathaniel J. Bice

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