Quero ser Elena Ferrante

Quero ser Elena Ferrante, um mistério literário indecifrável. Quero que leiam minhas obras pelo que elas são, descontaminadas das imperfeições do autor. Quero me descolar das letras, separar criador e criatura, sem deixar qualquer pista nas entrelinhas. Quero ser mais um anônimo na multidão que passa apressada pelas ruas de Nápoles, de Tóquio ou de São Paulo. Quero uma vida ordinária, flanar pela feira escolhendo legumes e peixes frescos, barganhar o preço com o dono da banca, provar as frutas da estação. Quero o direito a ter um nome simples e banal, e não arrastar o peso de um sobrenome famoso. Quero não ter de corresponder a nenhuma expectativa que não seja a minha, nem prestar contas do que não contratei. Quero me olhar no espelho e me ver de verdade, sem refletir o que esperam de mim. Quero a infinita liberdade de ser quem eu quiser. Ou de não ser.

Imagem: Le faux miroir (Paris, 1929), de René Magritte (1898-1967)

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