Viralizou, nos últimos dias, uma foto minha que não vi ser tirada. Descobri-a, com imenso espanto, na capa de um jornal francês. Depois, a vi em sites de notícias. E, por fim, pululando nas redes sociais. Era, de fato, um ótimo retrato: uma pequena multidão se concentrava diante da Mona Lisa e eu, de costas para o quadro e para as demais pessoas, mas de frente para o fotógrafo, com lágrimas nos olhos e o celular na mão esquerda em riste, pronto para uma selfie. As legendas mais piegas diziam que a reabertura do Louvre era um bálsamo em tempos tão duros: a cura pela arte. Tudo muito lindo, não fosse a realidade.
Minha relação com a França é antiga, vem desde o ginásio (ou seja, faz tanto tempo que o ginásio nem tem mais esse nome). Naquela época, estudava no Pedro II e tinha aulas de francês com uma professora importada, fugida do frio parisiense e refugiada na paradisíaca Copacabana, como ela costumava brincar. Era muitíssimo exigente, mas didática em igual medida; fazia parecerem fáceis as inúmeras regras de acentuação. Quando não estava explicando as também difíceis concordâncias com sujeitos e objetos, contava-nos histórias de como Paris e seus belos museus respiravam cultura.
A cada aula, viajávamos sem precisar de avião, a vontade de visitar a cidade crescendo um pouco por dia. Ano após ano, juntei minhas economias para realizar este sonho. Com muito custo, programei a viagem para junho de 2020. Veria com meus próprios olhos o que só conhecia de vídeos e fotografias. Finalmente, depois de muito idealizar o momento, ficaria frente a frente com a Gioconda, nome pelo qual os franceses conhecem a Mona Lisa. Queria observar os traços do mestre Leonardo da Vinci, analisar a impressionante técnica do sfumato e retribuir o mais enigmático dos sorrisos.
Aí, veio a pandemia: o vírus se espalhou com rapidez, provocou milhares de mortes, forçou o fechamento de países inteiros, arrasou economias, cancelou voos e adiou planos. De repente, a expectativa do mundo todo se restringiu a sobreviver. E toda esperança se resumiu à vacina, que – graças a um esforço global – foi desenvolvida em tempo recorde. Mais de uma até. O passo seguinte era imunizar o maior número de pessoas possível, evitando que o coronavírus alterasse o próprio material genético e criasse variantes mais resistentes e perigosas. Venceu a ciência.
Dois anos depois do planejado, finalmente estaria diante da pintura mais famosa do mundo. Passei anos sonhando e me preparando para aquele encontro. Estudei os melhores dias e horários para visitar o Louvre, em quais estaria mais vazio (ou melhor, menos cheio). Memorizei o mapa do museu para não perder tempo procurando a sala correta, sem deixar de visitar outras obras importantes da coleção. Escolhi a roupa mais confortável entre as que faziam eu me sentir bonita, combinada com botas que me apertavam um pouco os pés e que não eram as mais indicadas para longas caminhadas, mas que me elevariam alguns centímetros em meio à massa que lotava o espaço naquele primeiro dia de reabertura.
Só quem já viveu a experiência é capaz de compreender o fascínio provocado por um quadro de proporções tão pequenas, pendurado a uma boa distância do público, cercado por uma redoma de vidro, protegido por seguranças, vigiado por câmeras e fotografado por um sem número de turistas. Nada disso dissipava a aura mágica em torno da Mona Lisa. Não sei quanto tempo passei imóvel ali, apenas retribuindo o discreto sorriso. Contagiada pela multidão, não resisti ao impulso de tirar uma selfie. Virei de costas para o quadro e, com o celular na mão, estiquei o braço esquerdo. Como girava o tronco em busca do melhor ângulo, não percebi a aproximação de um senhor bastante corpulento, que – também distraído e maravilhado com aquela obra-prima – não se deu conta do faria em seguida. Sem querer, mas com força, pisou meu pé já castigado pela bota. Senti o couro ser prensado contra meus dedos e as lágrimas correrem sobre minhas bochechas. Foi naquele exato instante que ganhei as capas dos jornais e as redes sociais em uma foto que não representava qualquer alívio pós-pandemia, apenas a dor de um mindinho pisado.
Foto: Grzegorz Czapski / Alamy Stock Photo