Dia desses, escutei um barulho estranho no corredor. Como a movimentação atípica se prolongou por mais tempo do que seria o habitual, resolvi verificar. Quando espiei pelo olho mágico, levei um susto. Havia um homem parado praticamente colado à minha porta. Por instinto, prendi a respiração e evitei até me mover. Queria impedir qualquer ruído de minha parte que pudesse chamar a atenção de quem quer que estivesse ali. Mantive-me atento ao olho mágico.
Ficamos assim por uns poucos minutos talvez: eu, imóvel do lado de dentro, e ele, inerte do lado de fora. Não mudou de posição nem mesmo quando a luz se apagou, mergulhando o corredor na penumbra. Que diabos aquele homem fazia ali? Respirei fundo, liberando o ar calmamente para não fazer barulho, enquanto refletia sobre o que deveria fazer. Falo ou não falo alguma coisa? Volto às atividades de casa e ignoro a estranha presença ou permaneço aqui, monitorando aquela figura?
Enquanto tentava decidir como agir, lembrei-me da minha relação conturbada com portas e olhos mágicos. Certa noite, ainda criança, estávamos apenas eu e minha mãe em casa quando escutamos um barulho na fechadura. Meu pai, se não me falha a memória, estava viajando. Portanto, não era esperado que alguém chegasse. Tão assustada quanto eu, mas impelida por um instinto materno de proteção, minha mãe foi até a porta e se dirigiu ao homem que tentava abri-la. Surpreso ao ser interpelado, ele conferiu o número do apartamento e percebeu que errara de endereço. Ufa!
Outra vez, já adolescente (ou quase), saía para ir à escola quando gritei de susto e bati a porta, acordando minha mãe de um sono leve. Ela me perguntava o que estava acontecendo e tudo o que eu conseguia repetir era: “um osso”. Sei que é bem inusitado, mas foi exatamente essa uma das primeiras coisas que nossos olhos viram naquela manhã: um enorme e ainda ensanguentado osso sobre o capacho. Acordamos meu pai, que afastou o osso do tapete. Seguimos nossas rotinas, sem nunca termos encontrado qualquer explicação para cena tão surrealista e assustadora.
Há ainda uma terceira história, igualmente estranha. Era fim de semana e minha madrinha veio à nossa casa. Apesar de ter a chave, nunca entrava direto. Tocou a campainha e aguardava que alguém abrisse. Vi que era ela, mas me chamou muita atenção o que observei às suas costas. Abri rapidamente e a puxei para dentro antes que pudesse explicá-la a situação. Confirmamos – nós dois – pelo olho mágico o que eu havia visto: a porta do vizinho da frente, que era branca, estava respingada de sangue. Na verdade, descobrimos depois de uma análise mais criteriosa pelo corredor, que eram manchas de ketchup. Também nunca soubemos quem havia feito aquilo e por quê.
Diante deste retrospecto nada positivo, é compreensível tanta hesitação em abordar ou não aquela figura, não? Longos minutos se passaram naquela inércia, cada qual parado do seu lado, até que me veio um estalo. Abri a porta e não havia ninguém no corredor. Nem nunca houvera. O tal homem que eu jurava ver encostado na parede espreitando minha casa era, na verdade, a sombra do chapéu do boneco de neve da guirlanda de Natal que pusemos de enfeite semanas antes. Fechei a porta aliviado, mas, por via das dúvidas, tranquei as duas fechaduras.
Foto: arquivo pessoal
Boas histórias Pedro.
Quando pequeno passei uma noite acordado vendo uma pessoa sentada numa cadeira de balanço no meu quarto: ao amanhecer descobri que era apenas uma trouxa de roupas…
Grande abraço!
Hoje a gente ri, mas sou capaz de imaginar o desespero à época. Respiração presa, olhos sem piscar, o corpo imóvel… hahaha
Que histórias, Pedro!! Nossa, a da sua mãe, pra mim, foi a mais tensa. Eu teria enfartado. Também não curto essas batidas na porta, e olha que não tenho histórias como as suas. Parabéns pelo texto!
Foi tenso mesmo aquele dia. E nunca descobrimos quem colocou aquele osso lá…